Vida de Cachorro!!!!!

Vida de cachorro
           Eu vivi 10 anos com minha família. Quando cheguei, tudo era novo, diferente. Sentia falta de minha mãe e de meus irmãos, mas este sentimento logo foi esquecido porque minha nova família me dava muito amor, me enchia de mimos!
           Como toda criança, o que eu queria mesmo era brincar, bagunçar, morder as coisas! Tinha muita energia e precisava gastá-la. Às vezes o brinquedo escolhido era uma planta, outras vezes tinha muita coceira na boca por causa dos meus dentinhos e então escolhia um chinelo bem macio. Eventualmente acordava com gritos e levava uma grande surra. Não entendia o que estava acontecendo, mas me resignava achando que aquilo era assim mesmo na vida dos cachorros.
           Eu tinha uma cama quentinha, dentro de casa. Adorava me aninhar nos cobertores e tirar uma longa soneca! Só acordava mesmo quando minha barriguinha começava a roncar de fome! Aí era comer, brincar um montão e, quando não tinha mais forças, voltar a dormir. Era uma vida muito boa!
           Então, comecei a crescer e não cabia mais na minha cama. Eu não entendo o que houve, mas fui colocado pra fora de casa. Arrumaram uma caixinha de papelão, alguns panos velhos e passei a dormir fora de casa. Não era tão ruim. Às vezes, quando chovia minha cama ficava molhada, mas minha família ainda brincava comigo e eu tinha água e comida.
           Algum tempo depois, arrumaram algumas tábuas em baixo de uma árvore, colocaram uma corrente e eu passei a morar neste lugar. Não era muito bom porque a nova “casa” não me protegia da chuva e nos dias de frio intenso o vento congelava meus ossinhos. Aos poucos a comida foi diminuindo e a água, quando tinha, estava sempre suja. Mas eu não me importava porque eventualmente alguém da família me soltava e brincava comigo!
           Então as pessoas pararam de brincar comigo. Às vezes recebia muita comida, outras vezes nem lembravam que eu estava lá. Os parasitas começaram a invadir minha casa e meu corpo. Isso incomodava muito! Mas eu não me queixava porque aquela era minha família e eu os amava!
           Muito tempo depois comecei a ficar doente, porque os parasitas, a falta de comida e de exercícios enfraqueceram meu corpo. Minha saúde era frágil e eu sentia que precisava de cuidados. Então, numa manhã chuvosa, uma pessoa da família se aproximou. Balancei o rabo levemente. Queria demonstrar minha felicidade com mais vigor, mas não tinha forças. Havia uma caixinha de papelão, forrada com plásticos. Fui colocado lá dentro e levado para o carro. Fiquei feliz porque finalmente tinham percebido que precisava de ajuda!
           Andamos por algum tempo. Eu queria ver onde estávamos indo, queria cheirar, queria conhecer o caminho. Mas sabia que nada de ruim ia acontecer porque tinha certeza que minha família me amava e que cuidaria de mim. Chegamos em um lugar lindo, com muitas árvores e algumas casas. Tiraram a caixinha onde eu estava e colocaram em baixo de uma árvore. Então o carro partiu. Eu queria ir atrás, mas não tinha forças. Mas não me preocupei porque com certeza eles logo voltariam para me buscar!
           Depois de algumas horas, começou a chover. Eu sentia frio, sentia fome, mas não sairia dali porque quando minha família voltasse, não me encontraria! Precisava ficar! As horas foram passando e ninguém apareceu. As esta altura achei que estava na hora de procurar por eles. Talvez tivessem se perdido! Tentei me levantar, mas estava congelado pela chuva fria. Meu corpo todo doía e os tremores intensos e incontroláveis só faziam a situação piorar. Comecei então a lembrar da minha infância. Como era feliz! As coisas pioraram um pouco depois, quando cresci. Mas eu não havia feito nada para que me abandonassem ali, na beira da estrada. Tinha certeza que voltariam para me buscar!
           A noite veio. A fome e o frio eram insuportáveis. Queria pedir ajuda, mas já não tinha forças. Então fiquei lá, resignado. Sabia que o fim chegaria em breve. E já ansiava por ele. Só não queria partir sem saber por que tinha sido abandonado ali, sozinho, sem nenhuma chance...Logo eu, que tinha sido um cachorro tão bom! Apesar de apanhar, muitas vezes sem saber porque, jamais usei minha força para revidar. Apesar de ser esquecido em baixo da árvore, jamais quis fugir ou morder alguém. Eu fui um cão fiel e amigo. Tinha certeza de que não merecia ser deixado ali, sozinho, e  não queria partir sem ver minha família pela última vez.  Estava triste, com medo e sozinho. O sono veio. Então me senti filhote novamente! Estava em casa na minha cama quentinha, recebendo muito amor da minha família! Estava feliz porque esta era a vida de cachorro que imaginei pra mim! E, embalado por este lindo sonho, parti...

fonte: Revista Destaques, ano 4, n° 14.
Jovane bottin
Bióloga - Mestre em Ciências Ambientais
Diretora-Presidente da ONG Voluntários Amigos dos Bichos

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